Nosso Século XXI (2ª Ed.)

Trânsito, uma grande
problemática do século 21

  ORLANDO MORANDO - 16/09/2008

Apagão. O termo surgiu quando o Brasil teve de economizar energia. O problema foi solucionado, mas o nome ficou. Estamos enfrentando crises em alguns setores, no final de 2006 não se falava em outra coisa a não ser em apagão aéreo, presenciamos acidentes, atrasos de vôos, um verdadeiro caos se instaurou, mas infelizmente nós brasileiros temos memória curta.Vieram outros abalos, os atrasos aéreos já não são tão constantes e nada fizemos para melhorar a situação.

E ainda não estamos fazendo. O circo está se fechando e agora enfrentamos o apagão rodoviário. Não que os brasileiros tenham deixado de usar o farol de seus carros. Pelo contrário, nunca existiram tantos carros nas ruas, com tantos faróis acesos. As montadoras estão em pleno vigor, produzindo cada vez mais, vendendo cada vez mais, entupindo as cidades cada vez mais.

Onde vamos parar? Nas ruas, é claro! Dia e noite, noite e dia, não há mais horário de pico. Circular tranquilamente? Só enquanto os outros dormem. E diferentemente do apagão aéreo, que atormentou apenas parte da população, o trânsito atinge diretamente milhões de cidadãos nas maiores cidades brasileiras.

Dentre as soluções no curto prazo está a melhora na qualidade dos ônibus, trens e metrô, ou seja, no transporte coletivo. Como fazer? Curitiba foi pioneira ao criar no Brasil o primeiro corredor para ônibus em 1974. No Grande ABC, o trólebus acenou como solução, mas a quantidade de corredores ainda é pequena. Trata-se, entretanto, de uma grande alternativa. Um quilômetro de corredor de ônibus custa pelo menos 60 vezes menos do que um quilômetro de metrô. São corredores que permitem ultrapassagens. Com isso, são criadas linhas expressas com poucas paradas e a velocidade média aumenta. Todos os ônibus terão dispositivo eletrônico para abrir os sinais de trânsito. Seria muito bom se tivéssemos muito mais corredores exclusivos.

Outro problema é a extensão do metrô de São Paulo, que é três vezes menor que o da Cidade do México porque não obteve investimentos necessários para crescer por ser muito caro. Um quilômetro de metrô custa ao governo R$ 1 milhão.

Os brasileiros estão deixando de usar transporte coletivo pelo alto preço, desconforto e facilidade de crédito oferecido pelos bancos na compra de automóveis, com a economia do País aquecida. Cerca de dois milhões de brasileiros compraram carros novos no último ano. A maior cidade do Brasil, São Paulo, sofre com frota de mais de seis milhões de veículos. Para dar espaço aos novos veículos que chegam às ruas da Capital, seria preciso construir, por ano, oito avenidas iguais à Faria Lima, que tem cinco quilômetros de comprimento e cinco faixas de cada lado. Como esse é objetivo impossível de ser alcançado, engenheiros de trânsito dizem que será inevitável a imposição de restrições ao uso do automóvel em nossas metrópoles.

O rodízio implantado em São Paulo há mais de 10 anos impede que, uma vez por semana, 20% dos carros circulem no centro expandido nos horários de pico, mas não funcionará mais em médio prazo. Os motoristas passaram a driblar o sistema, comprando outro carro. Já o transporte coletivo, que ajudaria o brasileiro a deixar o automóvel em casa, não comporta a demanda. Está sempre superlotado.

Precisamos acabar com o preconceito
contra os coletivos. Porto Alegre faz
sua classe média andar de microônibus

Outro agravante é o preconceito contra o transporte coletivo. Muitos jovens de classe média não sabem o que é andar de ônibus, nem de trem ou metrô. É preciso mudar a opinião generalizada de que transporte coletivo é apenas para quem não pode comprar carro. Para isso, seria preciso melhorar os serviços. Porto Alegre conseguiu atrair, com microônibus, passageiros com renda mais alta, alguns deles proprietários de automóveis. Pelo menos 53 mil passageiros usam diariamente as lotações diferenciadas de Porto Alegre. A tarifa é 50% mais cara do que a do ônibus comum, mas o conforto compensa: ninguém viaja em pé e tem ar-condicionado. A grande vantagem do sistema é tirar carros das ruas.

E o Grande ABC, que interliga cidades e pólos importantes como o Porto de Santos, quando vai parar de sofrer com o apagão rodoviário? Com a chegada do trecho sul do Rodoanel Mário Covas, a região se transformará na maior esquina econômica do País. Será uma grande evolução, seguida de enorme desafio.

Primeiramente, vamos entender um pouco dessa obra, um extenso anel rodoviário que serve para disciplinar o trânsito e evitar que o tráfego de passagem (caminhões, principalmente) congestione ruas e avenidas de nossas cidades. Metrópoles como Paris, Madri, Tóquio, Londres, Cidade do México, Nova York e Los Angeles contam com anéis rodoviários de longa distância. A Grande São Paulo — quarta metrópole do mundo com 19 milhões de habitantes — está construindo seu anel rodoviário, o Rodoanel Mário Covas. Sua inserção na Região Metropolitana é uma grande contribuição para o tráfego de longa distância na metrópole.

O Rodoanel Mário Covas, via expressa com 173 quilômetros de extensão, tem os mesmos padrões técnicos de rodovias como a Ayrton Senna. A velocidade permitida nas pistas do projeto é de 100 Km/h, o que lhe confere grande fluidez. O acesso é feito pelas grandes rodovias estaduais e federais. Devido à dimensão e aos investimentos necessários, o Rodoanel está sendo construído em etapas. Quando concluído, reduzirá em R$ 2 bilhões anuais os custos de transportes em São Paulo.

O trecho oeste já entregue ao tráfego tem 32 quilômetros e interliga cinco das principais rodovias do Estado: Bandeirantes, Régis Bittencourt, Anhanguera, Castelo Branco e Raposo Tavares. Essas rodovias absorvem 58% do tráfego de veículos que cruzam a Região Metropolitana e 48% do volume total de cargas que entram e saem da Grande São Paulo todos os dias. Cerca de 200 mil veículos acessam o trecho oeste diariamente, 43 mil dos quais são caminhões. Essa frota deixou de circular pelas ruas e avenidas das cidades da região oeste, melhorando o trânsito e diminuindo a poluição atmosférica e sonora.

O trecho sul do Rodoanel é o mais importante para nosso Grande ABC. Tem 57 quilômetros de extensão e atravessa os municípios de Embu, Itapecerica da Serra, São Paulo, São Bernardo, Santo André, Ribeirão Pires e Mauá. O traçado foi escolhido buscando minimizar incômodos aos moradores e contribuir para as áreas de recuperação de mananciais. O projeto foi desenvolvido utilizando técnicas avançadas de engenharia que garantem a segurança do usuário, redução de acidentes e balanço ambiental positivo.

O traçado do Rodoanel acompanha as várzeas do Rio Embu Mirim. Para assegurar a preservação dessas várzeas, as pistas foram separadas e permitiram a criação de dois parques. O trecho sul cruza a Represa de Guarapiranga no seu ponto mais estreito, com uma travessia de apenas 90 metros, sem se aproximar do parque Embu-Guaçu, localizado mais ao sul e a 13 quilômetros da captação de água da Sabesp. Passa pelo reservatório da Billings através de duas pontes, uma no braço do Bororé e outra no corpo principal da represa.

Para não induzir a ocupação das zonas de mananciais, o Rodoanel Sul estende-se por 38 quilômetros sem nenhum acesso às avenidas da região, passando por Itapecerica e Palhereiros até a Imigrantes. Após o cruzamento com a Via Anchieta, prossegue em direção a Mauá margeando o braço do Rio Grande, funcionando nesse ponto como barreira à ocupação desordenada e prevenindo a degradação desse importante manancial que abastece a região. Ao projeto foi adicionada uma ligação padrão rodoviária com extensão de 4,4 quilômetros até a Avenida Papa João XXIII, em Mauá, que será duplicada para receber o novo tráfego do Rodoanel. Com a futura extensão da Avenida Jacu-Pêssego, essa ligação vai facilitar a chegada à zona leste de São Paulo e contribuir para a geração de empregos na região. O trecho sul tem início no trevo da Rodovia Régis Bittencourt, um importante ponto de convergência e distribuição de produtos tanto para a Região Metropolitana de São Paulo quanto para o Interior, o norte e o sul do País. Viadutos, passagens inferiores e alças de acessos complementarão e ordenarão esta transposição de forma lógica e eficiente.

O trevo da Rodovia Imigrantes será implantado em região de ocupação mista, com moradias e empresas. Alças direcionais de grande capacidade permitirão manter a fluidez do tráfego das rodovias interligadas. Alguns pontos que absorvem pesado tráfego local terão os sistemas viários remanejados.

A Rodovia Anchieta é a principal responsável pela movimentação de cargas do Porto de Santos. A existência de adutoras, gasodutos e porodutos exigiu o projeto adequado do trevo para respeitar esses dispositivos e também isolar a estação de captação de água da Sabesp. Para proteger a estação, serão desenvolvidos sistemas de drenagem de forma a orientar as águas provenientes do Rodoanel. Barreiras de contenção serão implantadas para evitar assoreamento das represas.

Se houver vazamento de produtos perigosos,
tanques subterrâneos captarão o material
para não contaminar a Represa Billings

Ao longo do traçado, o Rodoanel vai recuperar áreas degradadas como portos irregulares de areia, onde a ação predatória provocou erosão. Após a recuperação, essas áreas receberão paisagismo e reurbanização. Para minimizar a interferência com a fauna e o hábitat natural, travessias em locais adequados possibilitarão a circulação de animais.

O Rodoanel reduzirá drasticamente o risco de acidente com cargas perigosas, garantindo índices menores do que os registrados atualmente nas áreas urbanas. Exemplo disso é o trecho oeste. Mesmo na situação improvável de vazamentos e acidentes com produtos perigosos, tanques subterrâneos captarão o material líquido vazado com a finalidade de evitar a contaminação dos mananciais. O PAE (Plano de Atendimento a Emergências) existente no trecho oeste será estendido ao sul, para atender a eventuais ocorrências.

As ações ambientais já programadas possibilitarão a completa revitalização do Parque do Pedroso em Santo André. Serão acrescidos mil hectares de área verde com o replantio compensatório religando formações florestais isoladas. A preservação do reservatório da Margem do Rio Grande e a criação dos novos parques do Embu, de Itapecerica, do Jaceguava e do Bororé garantirão outros mil hectares de área verde na região.

Como vimos, trata-se de uma obra extremamente planejada, que muito ajudará a combater o apagão rodoviário, mas que sozinha não comportará as grandes mudanças nas malhas viárias da região. O bom senso, a educação e a vontade de mudar serão fatores decisivos no enfrentamento desta problemática. O anel viário metropolitano modificará não só o sistema viário do Grande ABC. Também aquecerá a economia e trará desenvolvimento industrial e comercial. Muitos migrarão para a região. São Bernardo e Mauá, que são pólos industriais, terão maior oferta de empregos, o que resulta em melhor qualidade de vida da população.

Mas e o trânsito? O trânsito vai diminuir. O Rodoanel permitirá que todos os caminhões de carga que antes passavam pelo centro das cidades se dirijam diretamente a seus destinos. E o que se espera dos moradores para manter esse fluxo diminuído é que dêem carona, que usem transporte coletivo, que caminhem e que sigam exemplos como do Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, que tem uma das maiores frotas do planeta, com média de um carro por pessoa: para o século XXI precisamos de transporte público, educação e flexibilidade.

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